Doenças Raras: Novas drogas retardam progressão da esclerose

Até poucos anos, não havia drogas eficazes contra formas progressivas de esclerose múltipla, doença autoimune que ataca o sistema nervoso central e pode se apresentar de várias maneiras —a mais comum causa surtos em que o paciente pode ter dificuldade para caminhar e problemas na visão.

A situação começou a mudar em 2017, quando os EUA aprovaram o remédio ocrelizumabe, o primeiro para o tratamento da esclerose múltipla primariamente progressiva (veja mais sobre cada tipo da enfermidade acima).

Desde então, as formas progressivas da doença ganharam outras alternativas, como o siponimod, medicamento oral indicado para a esclerose secundariamente progressiva.

Na esclerose múltipla, o sistema imune ataca o sistema nervoso central, provocando uma reação inflamatória.

“A agressão é direcionada contra a mielina, capa microscópica que recobre os nervos e potencializa a transmissão dos impulsos nervosos”, afirma o neurologista Denis Bernardi Bichuetti, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABNeuro). “Quando a mielina inflama, a transmissão fica mais lenta”, diz ele, o que leva a sintomas incapacitantes.

No Brasil, a doença ainda é considerada rara, com uma prevalência de cerca de 18 casos por 100 mil habitantes, de acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla. Mas especialistas são unânimes em afirmar que esse número é subestimado.

“No mundo, é a segunda causa de incapacidade física entre jovens, perdendo só para trauma”, diz o neurologista Rodrigo Thomaz, especialista em esclerose múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein.

O tratamento da doença se divide em três frentes. A primeira é usada no momento do surto e consiste no combate à inflamação do sistema nervoso. A segunda inclui as chamadas drogas modificadoras, que atuam no sistema imunológico e têm sido bem-sucedidas em reduzir o número e a gravidade de novas crises.

O desafio atual é impedir a progressão da doença, segundo Vanessa F. Moreira Ferreira, pesquisadora no Brigham and Women’s Hospital, da Escola de Medicina de Harvard.

“As medicações mais recentes reduzem inflamações em curso e previnem novas lesões, mas ainda não temos drogas capazes de reparar danos já ocorridos e impedir a progressão das incapacidades”, afirma Ferreira.

Nesse contexto, a aprovação dos primeiros medicamentos com resposta em quadros progressivos representaram um avanço, segundo o neurologista Jefferson Becker, professor da Escola de Medicina da PUCRS e presidente do BCTRIMS (Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas).

As respostas ainda não são muito altas, segundo Becker. O ocrelizumabe reduziu o risco de progressão da incapacidade em 25% na forma primariamente progressiva, e o siponimod reduziu o risco em 21% na forma secundariamente progressiva.

O ocrelizumabe (vendido como Ocrevus) foi aprovado pela Anvisa em 2018, mas ainda não está disponível no SUS. Já o siponimod (Mayzent) foi liberado nos Estados Unidos em 2019, mas ainda não teve aprovação no Brasil.

A terceira frente terapêutica, que consiste em amenizar os sintomas da doença progressiva, teve uma adição recente importante no Brasil. O Mevatyl, primeiro medicamento à base de cannabis aprovado no país, chegou ao mercado em 2018 para tratar o quadro de espasticidade — rigidez e incapacidade de controle dos músculos.

Um dos principais entraves ao tratamento de esclerose múltipla no Brasil, segundo especialistas, são as diretrizes do Ministério da Saúde.

Elas determinam que a terapia se inicie com drogas mais antigas e só avance para a próxima linha de intervenção, com remédios mais fortes, depois de falha na resposta.

“Se começo o tratamento com a droga menos eficaz e espero ela falhar, a falha significa que parte do cérebro já foi afetada”, diz Thomaz.

Ferreira afirma que existe uma tendência mundial de se iniciar o tratamento com drogas de alta eficácia.

“Esperar por uma falha no tratamento pode contribuir para progressão da doença e acúmulo de incapacidades.”

O Ministério da Saúde afirmou que sempre atualiza os protocolos clínicos e que, em dezembro de 2019, por exemplo, incluiu a droga fumarato de dimetila como primeira opção de tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente, após evidências de benefícios em comparação a outros medicamentos.

Multidão ímpar

Jornalista: Danae Stephan

As listras das zebras são como uma impressão digital: cada espécime tem um desenho único. Por isso o animal foi escolhido como símbolo das doenças raras nos Estados Unidos, uma analogia ao fato de cada enfermidade ter características, sintomas e evolução muito diversos de um paciente para outro.

No geral, são doenças crônicas, progressivas e degenerativas, às vezes com risco de vida ao paciente. Cerca de 80% têm base genética, mas podem também ter origem infecciosa, autoimune ou alérgica.

“Os sintomas são inespecíficos, como febre recorrente sem que haja quadro infeccioso”, diz Leonardo Mendonça, imunologista e alergista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

“Dores articulares também são associadas a um grande número de doenças autoimunes, mas acabam sendo confundidas com dores pós-exercício”, diz Mendonça. Caso da doença de Lyme, cujo contágio é atribuído a um carrapato, e que ganhou fama depois que o cantor Justin Bieber divulgou ser portador.

O principal sintoma são dores nas articulações, especialmente nos joelhos, mas pode haver sinais em diversas partes do corpo, como pele, olhos e até sistema nervoso central.

E há causas que se confundem. A síndrome de GuillainBarré é um distúrbio autoimune —o sistema imunológico do corpo ataca parte do sistema nervoso— que provoca fraqueza progressiva dos membros e pode levar à morte. As possíveis causas vão desde infecções por vírus —a exemplo do zika— a traumas, gravidez e linfomas.

As doenças raras também são muitas: estudo publicado no American Journal of Medical Genetics em março de 2019 levantou um total de 9.603 já diagnosticadas. O site da Organização Mundial de Saúde (OMS) fala em 6.000 a 8.000.

Entra nessa classificação a doença que atinge até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos: 1,3 para cada 2 mil pessoas.

Apesar de cada tipo estar presente em uma quantidade muito pequena de indivíduos, o conjunto de doenças raras afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que haja entre 3,2 milhões e 13,2 milhões de portadores de doenças raras, com base na estimativa europeia de 1,5% a 6,2% da população.

“Não sabemos se são 4, 12 ou 30 milhões. Começa aí o problema. Não temos um sistema de vigilância epidemiológica para doenças raras”, diz Salmo Raskin, presidente do centro de aconselhamento genético Genetika, de Curitiba.

Como a maioria das enfermidades tem base genética, o diagnóstico fica ainda mais difícil, já que o SUS não dispõe, por ora, de ferramentas para o estudo do genoma dos pacientes.

Há vários projetos de sequenciamento genético em andamento no Brasil, que visam reduzir o tempo médio do diagnóstico.

Na França, esse tempo varia de 5 a 30 anos, de acordo com pesquisa realizada com 6.000 pacientes.

O mais recente desses projetos, o Genomas Raros, é uma iniciativa do Hospital Israelita Albert Einstein com a Fiocruz e o Ministério da Saúde para mapear, nos próximos três anos, 7.000 pacientes das cinco regiões do país com suspeita de doenças geneticamente definidas.

“O primeiro passo é decidir quais doenças serão cobertas e fechar uma lista inclusiva de patologias”, diz o imunologista João Bosco de Oliveira, coordenador do projeto.

A partir de maio, os 17 centros públicos de referência serão envolvidos. “É um número pequeno considerando o tamanho do país”, diz Regina Célia Mingroni Netto, do Centro de Estudos do Genoma Humano.

“Foram credenciadas, desde 2016, instituições que já existiam e tinham tradição em genética, com laboratórios e médicos experientes. Imagino que tenhamos potencial para mais centros, além da criação de uma rede online de cooperação de exames e trocas”, diz.

O passo seguinte é investir em treinamento de médicos generalistas, para que reconheçam alguns dos sinais de doenças raras. A ideia é criar um único banco nacional e integrá-lo mundialmente.

“Com esse banco de dados, esperamos avançar na aplicação de medicina de precisão para o melhor uso dos recursos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde”, diz Raskin.

Fonte:
https://sindusfarma.org.br/noticias/destaques-imprensa/exibir/12536-doencas-raras-novas-drogas-retardam-progressao-da-esclerose

Como participar

Pacientes brasileiros que atendam aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para cada patologia e sob seguimento em um centro de referência de doença rara do SUS podem participar da pesquisa.

Os pacientes devem procurar atendimento nos centros de referência de doenças raras credenciados pelo Ministério da Saúde (consulte a lista), e discutir com o seu médico se a participação no projeto é adequada. Uma vez que o profissional responsável de cada instituição participante identifique um paciente com os critérios de inclusão, a ele será oferecido um Termo de Consentimento Livre e esclarecido para que ele tenha a oportunidade de participar do projeto “Genoma Raros”.